O mercado financeiro não causa repulsa de tantas pessoas à toa. Trata-se de um ambiente cheio (inundado?) de lama. Sei que não estou começando este texto de uma maneira suave, mas não encontrei outra forma. Meu intuito hoje é abrir os seus olhos para que você encontre seu par de galochas e possa atravessar a lama sem se sujar e, principalmente, sabendo para onde você tá indo.
Faz parte da minha rotina ver dezenas de conteúdos ruins sobre Finanças Pessoais. Infelizmente, posso afirmar que eles são a maioria. Se eu fosse me chatear por cada post que eu vejo cheio de “canto da sereia” prometendo ilusões ou ensinando conceitos errados, a sensação de impotência tomaria conta de mim e eu viveria frustrada. Prefiro ignorar...
Mas recentemente um post realmente conseguiu me tirar do sério. Explico: eu conto nos dedos os nomes dos educadores financeiros que já indiquei no meu perfil do instagram, newsletter ou podcast (obviamente, sem ganhar nada em troca por isso). Por serem raros, faço questão de enaltecer o trabalho de forma genuína.
É óbvio que não preciso concordar 100% com o que eles falam, assim como ninguém precisa (e nem deveria) concordar 100% comigo. Inclusive, acho que pensamentos diferentes são extremamente importantes no campo das finanças pessoais, uma vez que esta, definitivamente, não é uma ciência exata. Na verdade, eu valorizo ainda mais os profissionais que possuem esse espaço de diálogo aberto para debater ideias diferentes de forma respeitosa.
Tá, mas o que foi diferente dessa vez? Algumas coisas:
1) Não foi o primeiro, nem o segundo e nem o terceiro post que me incomodou dessa pessoa (ela vem mudando muito sua abordagem).
2) Quem escreveu o post fazia parte desse pequeno rol que já indiquei (e eu valorizo demais a confiança das pessoas para indicar qualquer coisa). Quebra de confiança é algo que me viola profundamente. Dificilmente engulo e deixo passar sem falar nada. Deveria ser assim? Não sei... Mas quando isso acontece, tenho dificuldade de simplesmente deixar passar. Inclusive, quero escrever mais sobre isso depois (tenho certeza que ser desse jeito foi absurdamente crucial para querer a Independência Financeira).
3) A pessoa levanta a bandeira do “aqui não tem conflito” (algo que realmente deve ser valorizado), mas escreveu um post inundado de conflito para conseguir vender o seu produto. E é sobre isso que quero aprofundar hoje.
O objetivo principal do post era convencer o leitor que não faz sentido investir em CDBs e que seria muito mais inteligente investir em Fundos de Crédito Privado. E para tal, o leitor poderia assinar o relatório de recomendações da autora e, pasmem, encontrar os tais fundos de crédito que ela indica. Não é maravilhoso receber o peixe ao invés de pescar? #ironia
Por incrível que pareça, eu não ficaria irritada se o post estivesse falando “só” isso. Afinal, se você já me acompanha, sabe o meu mantra: não existe a melhor forma de investir e nenhum investimento é bala de prata. Já falei sobre isso antes mais sutilmente aqui e aqui. Mas hoje vou fazer de forma escancarada mesmo para que não restem dúvidas.
Para ficar bem claro: tanto faz pra mim se você prefere escolher diretamente os seus CDBs ou prefere via fundo de crédito, DESDE que você saiba os prós e contras de cada um! Ou seja, que você saiba o que está fazendo! Permita-me te ensinar a pescar, ou melhor, te dar um par de galochas pra que você ande com as suas próprias pernas e não se suje de lama.
Os CDBs são um produto de Renda Fixa, isso quer dizer que ao investir num CDB você está emprestando o seu dinheiro para alguém (ex: o banco X) em troca de uma remuneração. Torna-se fundamental, portanto, escolher para quem você está emprestando o seu suado dinheirinho. Isso foi trazido no início do post e estou 100% de acordo. Mas, para te de vender facilidade, o post diz que “ao menos que essa seja sua maior habilidade na vida, medir o risco do emissor pode ser uma tarefa complexa” e complementa dizendo que por isso prefere delegar para bons gestores via fundo de crédito. Hum... Será mesmo? NÃO! Definitivamente, ninguém precisa ser um gênio das finanças pra investir em CDBs e eles podem ser um ótimo produto justamente para o investidor iniciante.
Para cada 5 razões que ela colocou para investir via fundo de investimento, eu vou te dar 5 razões para fazer o contrário. Prós e contras. Dois lados da moeda. SEMPRE. Esse é o meu lema para não me sujar na lama.
RAZÃO #1
Segundo o post, o fundo de investimento tem uma equipe multidisciplinar e até “cobradores” para garantir o dinheiro do investidor. Disse também que existem gestoras que monitoram as redes sociais de devedores (quando aparece um iate tá aí a prova que possuem dinheiro para pagar). Bem, eu não sei se eu me perdi no rolê, mas confesso que eu ficaria apavorada se soubesse que o gestor do fundo me cobra taxa de administração (caríssima, por sinal) para monitorar o iate alheio. Que exemplo foi esse?? Será que ela não conhece o FGC? Vou apresentar a seguir então.
RAZÃO #2
“E se você não me pagar?”, segundo o post, deveríamos nos fazer essa pergunta ao emprestar o dinheiro pra alguém. Corretíssimo. Porém começou a desandar quando disse que os fundos de investimentos negociam garantias reais: “um dos fundos que recomendo negociou que tomaria o imóvel se não recebesse o dinheiro de volta”. Mas, gente??? Precisa?? Você, investindo diretamente, não precisa disso, não... Você tem o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) que te garante, por CPF, até R$ 250 mil por instituição com um limite de até R$ 1 milhão, sendo que, se precisar usar, esse valor se renova a cada 4 anos. Ou seja, se você respeitar esse teto para sua aplicação (a rentabilidade também conta!), você tem o seu dinheiro de volta! É claro que ninguém quer passar por um calote (eu até hoje não passei e já tive dezenas – talvez centenas – de CDBs desde o início da minha jornada). Mas, se acontecer, você tem essa proteção. Costuma ser rápido, um ou dois meses, embora possa variar. Eu posso escrever uma newsletter inteira sobre o FGC e todas suas nuances para não me alongar aqui, mas o ponto é: você tem essa proteção, basta saber usá-la! “Carol, mas se todo o sistema financeiro ruir o FGC não vai dar conta, ele não teria saldo suficiente”. Não daria mesmo, ele é uma proteção adicional e não um seguro. Mas se bancos importantes ruíssem você realmente acha que é o seu fundo de investimento estaria são e salvo? Cuidado com as narrativas.
RAZÃO #3
O argumento trazido no post é que você não teria tempo de analisar a fundo 10, 20 ou 30 CDBs. Mas não entendi o que seria “a fundo”. Investir em CDB de forma consciente pelas primeiras vezes pode levar tempo sim, mas depois que a gente aprende não leva tantos minutos (isso mesmo, minutos). A questão é que você vai poder decidir tendo como base a sua vida, seus prazos, suas vontades...!! Coisa que gestor nenhum será capaz de fazer por você.
Outro ponto do post é que você pode aplicar em diversos CDBs por meio de um único investimento (o fundo, no caso). Isso é verdade mesmo. Aí, depende se você quer correr o risco de um gestor (ou três gestores, por exemplo) ou prefere você mesma tomar conta dos ovos que escolheu e, se algo acontecer, contar com o FGC. É sempre bom lembrar que nenhum gestor estrelado está imune a performar mal (vou evitar citar nomes aqui para não ter problemas, mas fundo que performa bem ao longo de muitos anos é um bicho em extinção). Quer investir via fundo, tudo bem (inclusive, uma parte do meu patrimônio - bem pequena, é verdade - está em fundos), mas você precisa saber a história toda.
RAZÃO #4
Aqui, o argumento usado no post é que os gestores conseguem identificar assimetrias de mercado e, dessa forma, entregar maiores rentabilidades sem riscos desnecessários. Será mesmo? Poucas semanas antes ela chegou a postar que estava diminuindo seus fundos recomendados de crédito porque estava ficando ainda mais criteriosa com a seleção dos gestores. Ok, isso faz parte do trabalho. Mas isso também dá pistas que não é tão simples assim “delegar para alguém brilhante”. O risco que você corre? Pagar altas taxas de administração que vão corroer sua rentabilidade ao longo do tempo. Entregando ou não a rentabilidade, o fato é que a taxa incide da mesma maneira, afinal o gestor precisar ser (bem) remunerado. Portanto, investir via fundo tem sim um grande risco: pagar caro sem garantias de resultados. Nos CDBs esse tipo de imprevisibilidade não ocorre, as regras de rentabilidade estão postas na mesa no momento da aplicação. Detalho mais no #5.
RAZÃO #5
O post aborda que fundo de crédito com liquidez rápida pode ser um problema, pois se muitos cotistas (pessoas que colocaram dinheiro no fundo) quiserem sacar ao mesmo tempo, o gestor terá que fazer vendas dos seus títulos (ex: CDBs) em um momento eventualmente não propício. Assim, o post recomenda fundos com ao menos 45 dias de cotização, pois além de evitar essa problemática, o fundo com resgaste mais longo poderia aproveitar oportunidades. De fato, esse pensamento faz sentido. Contudo, faltou o outro lado da moeda (mais uma vez). Imagina só: você avisa ao fundo hoje que quer fazer um resgate, mas precisa esperar 45 dias pra saber qual será o valor a ser resgatado de fato, afinal, está lá na regra que são 45 dias pra cotização e te ensinaram que essa é uma boa prática. Agora, imagina que você tomou a decisão de sacar no dia 15/02/2020... Você tinha ideia do que aconteceria 45 dias depois no mercado?
Pois é, seria impossível prever a magnitude da pandemia, mas o fato é que você veria um dinheiro muitooooo menor caindo na sua conta e não poderia fazer nada a respeito, pois já teria pedido o resgate. Por outro lado, se não existisse um prazo pra cotização, o fundo também ficaria prejudicado pelos motivos já expostos. Já quando você investe num CDB diretamente, essa problemática não existe. Se você investe para segurar até a data de vencimento, as regras de rentabilidade já são conhecidas e não mudam, aconteça o que acontecer. Fundos de crédito jamais conseguirão fornecer o mesmo grau de previsibilidade de investir diretamente.
No fim, o post termina convidando o leitor para assinar o relatório de recomendações de fundos de investimento da autora. Vender é legítimo. Não consigo imaginar uma sociedade se desenvolvendo se pessoas não estivessem dispostas a vender seus produtos e serviços. Entretanto, não deveríamos tolerar vendas com narrativas manipulativas. O marketing digital tampouco é o problema. Quer coisa mais democrática que vender através da internet? Mas não faça com os outros o que você não gostaria quem fizessem com você.
Dos mesmos criadores de “não queremos ser feitos de trouxas pelos assessores e corretoras cheios de conflito de interesse” estamos vendo a segunda onda se aproximando de “não aguentamos ser feitos de trouxas por casas de análise”.
Sei que o artigo de hoje foi bem diferente do que vocês estão acostumados aqui. Eu tentei, mas não consegui ser leve. Tô de saco cheio de narrativas ilusórias. Aqui, fica o desabafo de alguém que conseguiu alcançar a Independência Financeira por meio de aportes constantes oriundos de um trabalho “padrão”. A “pessoa comum” que nunca quis construir um império. A pessoa que queria “somente” a IF e que aprendeu, logo cedo, que pra isso é preciso aprender a pensar e enxergar além daquilo que “querem nos ensinar” (falei bastante sobre isso na edição #20)
Pra finalizar, gostaria de esclarecer que eu deixei um comentário no post perguntando por que o FGC foi omitido, porém recebi uma mensagem automática de venda do relatório (seria cômico se não fosse trágico). Algumas horas depois, o comentário ganhou relevância (número de curtidas) e outras pessoas começaram a comentar também tecendo outras críticas ao post – todas educadas. Foi aí que tive uma resposta da autora totalmente evasiva... Infelizmente, não posso dizer exatamente o que estava escrito porque logo depois ela apagou todos os comentários da thread, pois aquilo claramente iria atrapalhar as vendas... Mais uma bola fora.
Mas, como tudo na vida é aprendizado, levo comigo a lição que daqui em diante terei ainda mais cuidado ao divulgar algum perfil de finanças. Escolher as fontes e filtrá-las é cada dia mais difícil, porém imperativo. As galochas não são necessárias somente para o mercado financeiro. No ambiente do marketing digital, é preciso uma roupa impermeável dos pés à cabeça. Até a próxima!
As casas de análise vieram para enfrentar o conflito de interesses de bancos e corretoras e aí criaram seus próprios fundos e, depois, foram compradas pelos próprios bancos :)
Os fundos de crédito são um investimento extremamente arriscado e o investidor comum, pessoa física, deveria fugir deles. Você pode ganhar um pouco a mais que o CDI com um risco muito grande de perder de longe do mesmo CDI.
Além disso, como você comentou, os estudos da S&P (Spiva Scorecard) mostram, ano após ano, que cerca de 90% dos fundos de renda fixa ou renda variável não batem o índice (https://www.spglobal.com/spdji/pt/documents/spiva/persistence-scorecard-latin-america-mid-year-2022-pt.pdf). Além de não entregarem um resultado melhor do que o índice 90% do tempo, ainda nos cobram 2% para tentar.
Assim, investir em fundos ativos parece ser apenas uma aposta. Apostar ou especular com o próprio dinheiro é aceitável pra quem gostar disso (Afinal quem nunca jogou pelo menos na Mega Sena da virada?), mas deveria ser circunscrito a uma parte bem pequena do patrimômio.
Eu vi esse post e também fiquei confusa ao ver o link pra acessar os fundos indicados por ela...
Muito obrigada pelo conteúdo!